quarta-feira, 2 de junho de 2010

Não há nada a temer

Edvard Munch - Golgota

“Não é para a morte esta enfermidade” disse Jesus e, contudo, Lázaro estava morto. “Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas eu vou acordá-lo do seu sono”. Como os discípulos não compreendessem a continuação, sem ambigüidades, Jesus disse-lhes: “Lázaro está morto”.
(...)
Note que Jesus trata a morte como algo não mortífero. Todavia, ainda que Cristo não tivesse acordado Lázaro, nem por isso seria menos verdade que essa doença, a própria morte, não é mortal!
Que proveito haveria para Lázaro ser ressuscitado para em seguida morrer?
(...)
Não, não é por causa da ressurreição de Lázaro que esta doença não é mortal, mas por Ele existir, por Ele.

Porque na linguagem humana a morte é o fim de tudo, e, como se costuma dizer: “enquanto há vida há esperança”. No entanto, para o cristão, a morte de modo algum é o fim de tudo. A morte implica para nós infinitamente mais esperança do que a vida comporta (até mesmo quando saúde e forças transbordam).
Nesse sentido nem mesmo a morte é algo mortal, e muito menos os outros sentimentos temporais [o são]: desgosto, enfermidade, miséria, aflição, adversidade, tortura do corpo ou da alma, magoas e luto. Nada é mortal aos olhos do cristão.
Pois essa é a forma magnânima como o cristianismo ensina ao cristão a pensar sobre todas as coisas deste mundo, inclusive a morte.
(...)
A diferença entre o homem natural e o cristão é semelhante à [diferença] da criança e do adulto. Nada é para um adulto aquela[s coisas] que fazem tremer a criança. A criança ignora [a verdade pelo desconhecimento] e [por isso] acha temerível, o adulto sabe [que não há o que temer].
A deficiência da infância está, primeiramente, em não conhecer o temerível, e em seguida, devido à sua ignorância, em tremer pelo que não é para fazer tremer.
Igualmente o homem natural. Ele ignora onde verdadeiramente jaz o horror [aquilo que ele deveria temer], o que, todavia não o livra de tremer [como fazem as crianças].
No entanto, é do que não é horrível [por não ter mais poder] que ele treme.

Soren Kierkegaard - O Desespero Humano

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